Refletir sobre os custos da guerra e “mensurar” a paz: com números nas mãos, alguns institutos e centros de pesquisa provam que a paz vale a pena, inclusive economicamente
Novos parâmetros
“A economia da paz é um ramo de uma ciência mais ampla, que reúne diferentes disciplinas e que utiliza a contribuição de economistas, matemáticos, psicólogos e cientistas políticos. Um grande eixo dessa disciplina foi, desde sempre, calcular os custos das guerras, mas hoje tende-se a admitir uma abordagem mais ampla para superar a mera contabilidade. A pesquisa atual visa considerar, por exemplo, os efeitos dos conflitos e da violência a longo prazo; além disso, tem uma abordagem construtiva, tentando imaginar modelos de política econômica que, se aplicados, podem tornar as sociedades mais pacíficas no seu interior e nas relações internacionais. Desta forma, a ciência da paz consegue fornecer indicações sobre quais medidas os governos devem implementar para promoverem a paz”, afirma Raul Caruso, professor de política econômica da Universidade Católica do Sagrado Coração, de Milão.
Caruso é o coordenador da associação Cientistas Europeus pela Paz, uma rede de pesquisadores e especialistas que, em âmbito europeu, produzem estudos sobre a paz e o custo das guerras a partir de diferentes disciplinas. Ele explica: “Esta associação retoma uma linha de estudos que se desenvolveu na América do Norte. Após o fim da Guerra Fria, alguns economistas e matemáticos nos Estados Unidos começaram a questionar os efeitos sociais de um sistema dedicado à guerra. Não que no passado a guerra não tivesse inspirado estudos econômicos, mas antes eram analisados sobretudo os custos dos conflitos, especialmente os relativos à dívida pública”.
A paz é o caminho

Vitória (ES) – Milhares de pessoas fazem caminhada pela paz na orla de Camburi, em Vitória (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Mas como é possível medir algo intangível como a paz? Do outro lado do mundo, em Sydney, responde Camilla Schippa, 47 anos, de origem sueco-italiana, diretora do IEP. Depois de se formar em Ciência Política com endereço internacional na Itália e um estágio na Escola Norueguesa de Economia, ela foi trabalhar na sede da ONU, em Nova Iorque, onde atuou no escritório do Secretário Geral: sete anos com Kofi Annan e um com Ban Ki-moon. “Um dia percebi que, entre todas as milhares de reuniões para discutir o futuro do planeta, nunca falamos de paz. Sempre só de conflitos, sempre só de problemas. Discutia-se somente de que forma ajudar um país a sair da guerra, a se reconstruir, quando a destruição já havia ocorrido”, declarou.
O ponto de virada veio quando Camilla Schippa conheceu o empresário e filantropo Steve Killelea. Em 2008, ambos criaram o IEP, que recentemente foi classificado entre as 15 mais influentes think tanks (fábricas de ideias) do mundo. Camilla explica: “O que me motivou a trabalhar com o cofundador do IEP foi sua intenção de mudar o foco. Ao invés de ver o que não funciona, tentar entender o que funciona; da doença – fazendo uma analogia com a medicina – ao estudo de um corpo saudável, para entender o que fazer para não contrair a doença”.
A partir dessa intuição, nasceu primeiro o centro de pesquisa de Sydney, na Austrália; depois, a filial de Nova Iorque. Agora existe o plano de uma terceira sede na Europa. Os especialistas do IEP argumentam que a paz pode e deve ser medida, de maneira a torná-la uma meta tangível e alcançável do desenvolvimento humano e não um mero ideal utópico. “Mensurando a paz – diz Camilla -, é possível entender melhor do que ela é feita e identificar os fatores que ajudam a alcançá-la e sustentá-la ao longo do tempo. A paz é muito mais do que a ausência de guerra.”
A “paz positiva”
Além de compilar anualmente o Índice de Paz Global e calcular os custos diretos e indiretos da guerra, em 2013 o IEP desenvolveu o conceito de “paz positiva”, identificando oito pilares de paz, ou oito macro-condições para obter sociedades pacíficas. “O que realizamos sobre a paz positiva foi um estudo empírico, graças ao fato de termos criado o Índice de Paz Global – explica Camilla -. Tendo ao nosso dispor milhões de dados sobre os níveis de paz e violência, fizemos uma análise estatística e os correlacionamos com milhares de outros dados econômico-sociais para calcular os fatores que sustentam a paz”.
Mas quais são os oito pilares? Um governo que funcione, boas relações com os vizinhos, aceitação dos direitos dos outros e um alto nível do capital humano são algumas das condições sociais que ajudam uma nação a manter a paz. Uma distribuição equitativa de recursos e um ambiente saudável para negócios e investimentos são outros tantos pilares do ponto de vista econômico. “Algumas teorias afirmam que, com o aumento da prosperidade, os conflitos tendem a encolher, e que os países mais ricos são, por conseguinte, mais pacíficos, mas vimos que não é bem assim – diz Raul Caruso -. Se há bem-estar apenas para poucos ou se há altos níveis de corrupção, na realidade a paz está sendo minada nos seus alicerces. Em 2007, antes da crise econômica mundial, alguns estudos demonstraram que, na ausência de guerras e outras formas de violência, o Produto Interno Bruto mundial seria maior em quase 9%, e estimei que cada aumento de 1% dos gastos militares está associado a uma perda de produtividade de 0,1%”.
Indicadores e tendências
Cada um dos oito “pilares” da paz é medido através de três indicadores que utilizam 4.700 séries de dados, capazes de mensurar uma ampla variedade de fatores políticos, econômicos e sociais. Apenas os indicadores aplicáveis a pelo menos 95 países são levados em conta. Através de uma série de avaliações e equilíbrios entre os diferentes itens, e somando cada cifra resultante, é possível calcular o índice de paz em cada país.
O IEP é também capaz de rastrear tendências para entender se um país está melhorando ou não o seu desempenho e para identificar as tendências globais. Descobre-se assim que, estando no nível “negativo” de paz, ou seja, diretamente ligado à violência, o mundo de hoje é menos pacífico em relação a 2008. Considerando, ao contrário, o índice de paz “positiva”, registra-se uma significativa melhora global. Entre 2005 e 2015, o índice médio cresceu 1,7%, e 118 dos 162 países melhoraram seu desempenho, graças sobretudo às nações do hemisfério sul do mundo. Na maioria dos países, portanto, há condições favoráveis para a paz. Bastaria apoiá-los com políticas direcionadas e conscientes.
Compromissos assumidos
Para isso, o IEP apresenta sua pesquisa ao maior número possível de pessoas, desde representantes dos governos até crianças do ensino fundamental. Ele trabalha com a ONU, com a Organização para o Desenvolvimento Econômico (OCSE) e com as organizações internacionais que utilizam suas pesquisas e dados. Segundo os fundadores do IEP, a estratégia tem dado bons resultados.
“O maior avanço que temos visto nos últimos anos foi o reconhecimento oficial de que a paz é um elemento essencial para o desenvolvimento. Em 2015, pela primeira vez na história, as Nações Unidas adotaram, entre os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, o objetivo da paz. Há dez anos não teria sido possível, porque ainda se discutia se a paz poderia ser ou não mensurável. Nós mostramos que é, e agora temos um objetivo para alcançá-la. Resta saber o que os governos realmente farão, mas cabe também aos cidadãos pedir que os compromissos assumidos pelos governantes sejam respeitados”, conclui Camilla.