
Cena da peça “Avante, Marche!”, do belga Alain Platel | Foto: Nereu Jr. /Divulgação
Duas peças de teatro; dois países diferentes. As relações sociais e políticas influenciam diretamente nas escolhas artísticas dos encenadores e atores. São os acontecimentos vivenciados que se transformam em obra de arte
“Em Cavalgando Nuvens, Yasser exercita várias facetas do humor, amplifica o lirismo diante do sofrimento e se mostra tocante em toda a sua humanidade”, relata a crítica Ivana Moura, que continua: “Também pelo próprio ator expor sua história, mesmo que não fique claro até onde é realidade ou criação artística, essa narrativa tem uma potência mais emotiva. No meu caso, me peguei tocada, sensibilizada pela fragilidade da vida, o imponderável que traça curvas estranhas para os humanos e as possibilidades de superação que a arte do teatro oferece como chaves concretas para ser vivo”.
Em um outro espetáculo, o público se depara com uma constituição completamente diferente. O palco, apesar de estar quase vazio, tem uma áurea mais pomposa. São mais de 40 pessoas em cena. A execução perfeita dos movimentos e do grupo no palco é de encher os olhos. O cuidado com as simetrias, os figurinos, a música, propõe um ambiente de contemplação. A história não é linear. Apesar da estética contemporânea do espetáculo, o virtuosismo dos atores é evidenciado. Cantar, dançar e interpretar são requisitos para esta encenação.
“Avante, Marche!”, do belga Alain Platel conta a história de um trombonista que está com câncer. Por conta disso, sua função na orquestra passa a ser substituída por outro jovem músico. Para o protagonista, resta tocar pratos na última fileira da banda. Para Ivana, “é tocante acompanhar a memória desse homem decaído, interpretado por Wim Opbrouck, suas angústias e enfado, sua pulsação de vida com a morte em seu calcanhar. E isso na vibração do sentido da arte para fazer frente à destruição. Suas respostas expõem um espectro de desespero e apostas na música”.
As obras e suas épocas
As características sociais e políticas de cada época influenciam diretamente na construção dos personagens que irão para a cena. A influência da pós-modernidade no teatro fez com que as histórias encenadas sofressem uma fragmentação. A dramaturgia não é linear. E os corpos em cena já não são construídos como personagens. Mas são as posturas reais dos atores em suas performances que estão na obra de arte, para causar sensações e experiências no público. O personagem passa a ser autorreflexivo e mesclar o sonho e a realidade.
Para a performance, o artista é a obra. A relação do corpo e do espaço que o cerca é motivo de grandes indagações dos artistas performers. “O que interessa primordialmente numa performance é o processo de trabalho, na sua sequência, seus fatores constitutivos e sua relação com o produto artístico: tudo isso se fundindo numa manifestação final. A cultura nos leva a tomar como naturais as sequências de ações e comportamentos a que estamos habituados…”, escreve Jorge Glusberg em seu livro “A Arte da Performance”.
O corpo tem diversas expressões e está a serviço das ideologias e dos processos culturais que ele mesmo vivencia. Desta maneira, o artista ou o performer, coloca em cena a sua própria história através do seu corpo.
Influência da sociedade
Além das estéticas diferentes que esses dois espetáculos colocam em cena, o que chama a atenção é a origem desses artistas e o contraste entre eles. O Líbano sofre com as guerras. A Bélgica é considerada nação de primeiro mundo. O questionamento é: quais as influências políticas e sociais que os artistas sofrem para a construção dos seus espetáculos?
Yusser não nega as consequências das guerras que ele e sua família já vivenciaram. Ao mesmo tempo, Alain Platel não pode deixar de dialogar com questões estéticas e existenciais do ser humano. O que chama a atenção é justamente o cenário político, geográfico e social que originaram esses espetáculos.