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Como missionária, abraçar a própria vulnerabilidade

A Irmã Anne Falola aborda a sua atuação em diversos países, que é carregada de precoceitos como mulher, africana, religiosa e missionária. Mesmo assim, afirma que, para os missionários, "a vulnerabilidade é uma vantagem para a missão, e não um fardo; porque permite entrar profundamente na realidade humana através da própria participação no que é fraco, oprimido e pobre. Quando abraçamos a nossa própria vulnerabilidade, aproximamo-nos das pessoas que precisam de luz e libertação".


Fotos: Arquivo pessoal - Ir. Anne já trabalhou na Nigéria, Argentina e Reino Unido

A vulnerabilidade é uma qualidade fundamental de qualquer missão cristã autêntica, porque somos chamadas a seguir Cristo que, «sendo de condição divina não reivindicou o direito de ser equiparado a Deus. Mas despojou-se a si mesmo, tomando a condição de servo...» (Fl 2, 6-8). A Kenosis de Cristo faz da vulnerabilidade um modo de ser missionário e um importante meio para a missão...


Abraçar a própria vulnerabilidade

O apelo do Papa Francisco ao Processo sinodal é, em última análise, um apelo renovado à missão, mas não da posição de poder e autoridade até então mantida…. Isso não pode ser alcançado sem aceitar e abraçar a nossa vulnerabilidade. Para nós como missionários, a vulnerabilidade é uma vantagem para a missão, e não um fardo; porque nos permite entrar mais profundamente na realidade humana através da nossa própria participação no que é fraco, oprimido e pobre. Quando abraçamos a nossa própria vulnerabilidade, aproximamo-nos das pessoas que precisam de luz e libertação.


A África é, às vezes, chamada o “jardim da Igreja no século XX ”, devido ao fascinante crescimento da Igreja no continente africano nos séculos XIX e XX... De cerca de 4 milhões de cristãos professos em 1900, o cristianismo africano cresceu para mais de 300 milhões de adeptos no ano 2000.


A geografia da missão

Uma das implicações disso é que não há mais exclusivamente países que enviam para missões ou exclusivamente países que recebem missões... Esta mudança afeta a dinâmica do poder... A geografia da missão mudou! Graças a Deus, a missão cristã está agora separada do seu vínculo histórico com a colonização e a ocidentalização...


Muitas vezes me perguntaram por que os africanos se incomodariam em sair do seu continente como missionários com a miríade de problemas que temos. Respondo que a chamada à missão não é uma rivalidade de autossuficiência, à qual só podem responder aqueles que são fortes e não têm problemas. Essa tendência excludente é problemática porque associa missão com poder, influência política, riqueza material, colonização e dominação. Como missionária africana vejo-me chamada a mudar essa narrativa, trazer novidade, simplicidade e energia despojada de poderes económicos e políticos...



Embora a vulnerabilidade seja vital para a missão, não é fácil. Os missionários que conheci na infância não eram considerados homens e mulheres vulneráveis. A minha vocação missionária foi inspirada pelas missionárias irlandesas que na minha terra natal, pioneiras nas iniciativas de educação, saúde, pastoral e fronteiras sociais, eram amadas e muito respeitadas. No entanto, a minha noção de ser aquela missionária heroica admirada por todos, de repente caiu!


Missionária da África em primeira pessoa

Quando saí da África em 1994, percebi que não fui recebida como missionária; ao contrário, eu era considerada uma trabalhadora migrante que tinha vindo em busca de uma vida melhor. O meu desejo de doação total foi abalado quando muitas vezes fui atingida pelo facto de que se considera que uma pessoa africana tem pouco a oferecer. Percebi que para muitos fora da África, o continente só estava associado à pobreza, guerra, violência, desordem, vida primitiva, doenças, guerras étnicas, agitação política e corrupção. Embora essas realidades não possam ser negadas, a África também é uma terra de promessas, pela sua vida vibrante, resiliência, juventude, amor à comunidade, hospitalidade, generosidade e religiosidade.


Como missionária da África, aprendi a abraçar essa vulnerabilidade que os preconceitos me impõem, enquanto humildemente assumo a dignidade de mudar a narrativa. Somos todas vítimas da síndrome da história única, construída com base nos preconceitos dos outros sobre nós. Todos carregamos o fardo da nossa identidade e isto torna-se mais evidente quando saímos do nosso próprio meio, somos afetados pelo julgamento dos outros. A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie articulou lindamente: “Não é que a história única não seja verdadeira, mas não é a única história”...


Como missionários, somos chamados a construir a comunhão nesta diversidade abraçando a sua beleza e fragilidade. Ao concluir esta reflexão, desafio-me a mim mesma e a cada um de nós a abraçar a nossa vulnerabilidade. A minha vulnerabilidade como mulher dentro de uma sociedade e Igreja patriarcais, uma africana num mundo de disputas de poder global, uma religiosa num mundo de crescente indiferença e intolerância religiosa, uma missionária num mundo xenófobo e um apelo à periferia num mundo onde apenas o centro importa. Para mim isto significa abraçar a vulnerabilidade a partir de cima e a partir de baixo.



Por Irmã Anne Falola

*Este texto é uma sinopse de uma palestra dada pela irmã Anne Falola durante a plenária da Uisg de 2022. Ela é uma religiosa missionária de Nossa Senhora dos Apóstolos (OLA), possui diplomas em Aconselhamento e Espiritualidade cristã. As suas áreas de atuação missionária incluem: ensino, trabalho pastoral e social, diálogo inter-religioso e animação missionária na Nigéria, na Argentina e no Reino Unido. Atualmente é conselheira-geral da sua congregação e reside em Roma.


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