“Artesãos da festa, da maravilha, da beleza: com estas qualidades, vocês enriquecem as sociedades do mundo, alimentam sentimentos de esperança e confiança”. Papa Francisco
A arte traz consigo uma série de sentimentos, entre eles uma alegria que poderia durar para sempre. Nenhuma língua poderá traduzir ou interpretar a grandeza de expressar o Amor de Deus através do canto, música, dança, teatro, artes plásticas e até mesmo as artes visuais, porque não? Nossa série “A arte na Igreja”, continua e hoje falaremos sobre a dança.
Dança: “mover-se de um lado para outro”. Alguns dizem que não é preciso saber dançar, basta sentir o ritmo e se mexer, o importante é não ficar parado. Que levante o dedo quem nunca dançou alguma coisa, seja na festa junina da escola quando era criança, ou sozinho no quarto quando ninguém estava olhando. Para alguns estudiosos a dança é algo inerente ao ser humano.
Para a escritora italiana, Giulina di Berardino, especialista em teologia litúrgica, em seu livro: “Dançar a misericórdia”, a dança é linguagem, como tal, é auto expressão. A dança é uma linguagem simbólica que nos coloca em contato com “o outro de mim”. É por isso que existem caminhos educacionais e terapêuticos que fazem uso desta linguagem. À luz de tudo isso, poderíamos dizer que a dança é realmente o primeiro ato de adoração que a humanidade faz, a forma original pela qual o homem percebe o sagrado. Isso ocorre porque o corpo quando dança, gera vida, criando formas que lembram uma outra presença por si, viva, porque exige reciprocidade. Este é o sentido espiritual do corpo, o desejo que nos faz viver para nós significa amar, empurra-nos para a vida. Tudo isso em Deus é amor, e nos move em Sua direção.
Para a bailarina e arquiteta, Pricilia Lima, “através dos passos e da música clássica, eu me sinto mais leve. Talvez seja a forma mais sublime de me expressar e louvar a Deus. O ballet me faz recordar e viver a postura de entrega total à Ele através do meu corpo, quando me coloco em prontidão diante Dele. Dançar é uma forma de se expressar, de orar, de estar presente, e sobretudo de agradecer por tudo o que sou e vivo no momento presente”.
Artistas, flores que colorem e dão vida!
Em sua mensagem para os artistas, Francisco falou da problemática nas cidades do nosso tempo. “Um escritor italiano, Italo Calvino, afirmava que ‘as cidades, como os sonhos, são feitas de desejos e medos’. Talvez muitas cidades de nosso tempo, com os seus subúrbios desoladores, deixaram mais espaço aos medos do que aos desejos e aos sonhos mais bonitos das pessoas, sobretudo dos jovens”.
A sociedade tem necessidade de artistas, da mesma forma que precisa de cientistas, técnicos, trabalhadores, especialistas, testemunhas da fé, professores, pais e mães, que garantam o crescimento da pessoa e o progresso da comunidade, através daquela forma sublime de arte que é a “arte de educar”. No vasto panorama cultural de cada nação, os artistas têm o seu lugar específico.
Dom que nasce do amor à Deus
Em 1999, São João Paulo II, escreveu que o artista é a imagem de Deus-Criador, por isso, quanto mais consciente está o artista do “dom” que possui, tanto mais se sente impelido a olhar para si mesmo e para a criação inteira com olhos capazes de contemplar e agradecer, elevando a Deus o seu hino de louvor. Só assim é que ele pode compreender-se profundamente a si mesmo e à sua vocação e missão.
Juliana Araújo Ferreira, bailarina e palhaça desde sempre entendeu a sua vocação aos palcos e ela nos conta um pouquinho de sua trajetória:
“Acredito que realmente é um dom de Deus, pois no meu caso, a Dança não era uma opção, era um chamado que eu sentia seguir. É como se eu não tivesse outra escolha, pois, pelo contrário estaria traindo a mim mesma. Na dança, o instrumento de trabalho é o corpo, e sendo o corpo o nosso templo do Espírito Santo, com certeza, sinto-me como instrumento de Deus. Trabalhei muito com dança contemporânea, cuja linguagem muitas vezes se esbarrava com a improvisação, a criação do intérprete é muito valorizada, eu sentia que não precisava fazer esforço para criar as coreografias, eu só exteriorizava aquilo que parecia já estar pronto na minha alma e eu sentia sempre uma alegria muito grande e uma liberdade imensa quando dançava, apesar das dores e exaustão dos ensaios”.
Ao ser questionada sobre as dificuldades da profissão, Juliana nos conta que não é uma estrada fácil e simples, muito pelo contrário, ser cristã e bailarina significa ir contra a corrente:
“Não é fácil trabalhar como artista cristã no mundo de hoje, seguir Cristo neste caminho também inclui muitas renúncias. Muitas vezes tive que renunciar a trabalhos que não conduziam com minha fé e minha consciência. A última companhia de Dança na qual trabalhei, me dispensou por eu não aceitar algumas propostas, dentre elas, resistência em dançar nua. Vejo que atualmente na Dança também se instaurou um terrível relativismo moral e uma tremenda inversão de valores, ao invés de vermos nosso corpo como um instrumento de expressão Divina, este se tornou o próprio deus, sendo cultuado ao extremo e explorado sem o mínimo de pudor. Mas, é um caminho muito bonito, não há palavras suficientes para expressar a alegria interior que eu sinto quando danço, principalmente quando me lembro que estou tocando o intangível, continuando a Criação de Deus aqui na terra.”
A santidade veste jeans
Em 2013, Juliana interpretou Chiara Luce Badano, no espetáculo “ A santidade veste jeans”, a beata foi uma das intercessoras da JMJ-Rio 2013. O musical ocorreu nos dias da Jornada Mundial da Juventude, e Juliana teve o prazer de apresentar o espetáculo aos pais de Chiara Luce. Para a bailarina esse foi um marco em sua carreira. Entre a dor e o sofrimento encontrou a luz de um Deus que é Amor e nunca desampara seus filhos amados.
“Interpretar Chiara Luce foi um episódio particular na minha vida como bailarina. Primeiro, porque eu nunca tinha trabalhado com um grupo, no qual todos tinham o mesmo propósito e eram quase todos cristãos, nós rezávamos antes dos ensaios, além de se tratar de um tema tão profundo e ao mesmo tempo carregado de espiritualidade. Segundo, porque minha participação foi um pequeno milagre. A princípio eu faria uma pequena “ponta”, com uma coreografia. Eu estava há quase 6 meses desempregada e não fazia aulas de Dança desde então, e todo bailarino sabe do sofrimento que é ficar um tempo sem se movimentar, para retomar o ritmo é bem difícil. Neste mesmo período eu tive uma depressão profunda, ficava dias sem dormir e chorava exaustivamente, não conseguia viajar até o Rio para ensaiar, pois estando em São Paulo, eu tinha crises de pânico ao sair de casa. E mesmo assim, me ofereceram o papel de Chiara Luce para interpretar, fiquei com medo, mas confiei que Deus tinha um propósito maior e se Ele me pedia isso, me daria a força necessária. Depois do convite aceito, até tentei participar de uma audição para um Cia. de dança de São Paulo e voltar a trabalhar, mas foi desastroso, 6 meses sem dançar nada, eu não conseguia me mover, foi humilhante! Após este episódio, revelei para uma das coordenadoras do projeto de Chiara Luce que estava doente, eu falei do ocorrido da audição e que temia não conseguir dançar no espetáculo”.
Eu queria desistir, pois 15 dias antes de estrear o espetáculo eu não tinha conseguido criar nem 5 minutos da pequena coreografia que tinham me confiado primeiramente, quanto mais fazer uma participação como personagem principal. A coordenadora me ouviu, me encorajou, e disse para que eu fosse nos dois últimos ensaios e que estaria rezando por mim, bastava que eu confiasse tudo a Jesus e desse este 1% de força que eu tinha, e ELE cobriria todo o resto com seu Amor. E foi o que aconteceu, consegui ficar fora de casa sem ter crise de pânico, fui apenas nos dois últimos ensaios, consegui pegar todo espetáculo numa velocidade que nunca tinha tido antes e mesmo depois de 6 meses parada, consegui com a graça de Deus, dançar 3 apresentações do espetáculo no mesmo dia, por isso, digo que foi um pequeno milagre.
Entre o Ballet e o circo
No decorrer de sua trajetória como bailarina, Juliana encontrou uma amiga, a Katrina.
“Me descobrir como Katrina, foi algo surpreendente. Se eu sentia uma liberdade de alma ao dançar, como palhaça descobri que esta liberdade poderia ser ainda maior e não tinha limites. Uma vez, uma professora me disse que o palhaço era um “ser” que queria apenas ser amado, e por isso fazia de tudo para agradar sua plateia. E isso é o que sempre me encantou no trabalho de palhaço, esta dependência da plateia, de saber que sem as pessoas o palhaço não existe, que você depende do sorriso delas para existir e ser feliz, e nesta moeda de troca você as faz sorrir também, é maravilhoso! Para ser palhaço você tem que se desfazer de todas as suas máscaras, para conseguir um estado de inocência e deslumbre da vida, estar mergulhado totalmente no momento presente, que é a essência do palhaço. Um palhaço fora do presente não consegue estar aberto às pessoas, não consegue estar inteiro para outro. Acho que o palhaço é a mais bela piada de Deus, é o instrumento que para o mundo é o mais tolo, mas na lógica de Deus o mais eficaz, pois ele se desfaz de tudo para ser um com o próximo, se deixa humilhar para conseguir um sorriso, tropeça até de propósito para ver uma criança feliz. O meu grande aprendizado como palhaça, foi descobrir que nesta linguagem o ridículo, o tolo, o mais fracassado diante do mundo é o rei do picadeiro. No fundo é aquele que para ser o grande diante de Deus, é o que mais se põe a serviço”.
A arte de dançar, interpretar, fazer o outro rir nos recoloca no momento presente, numa total entrega a Deus. Que alegria descobrir que podemos transmitir o quanto somos amados por Deus através de gestos, movimentos, fazer o outro sorrir.
Nosso corpo é instrumento de Deus, o corpo fala, o corpo ora!
E você, já dançou hoje? Ou, já fez alguém rir? Ainda dá tempo!
Até a próxima!
Por Valesca Montenegro, artigo publicado originalmente no portal Jovens Conectados
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