Minha missão com os “diferentes” de Roraima
- Editora Mundo e Missão PIME
- 6 de abr.
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Atualizado: há 5 dias
Engenheiro energético por formação e projetista humanitário por vocação, Nicola Zattra viveu um ano no norte do Brasil como fidei donum da Diocese de Vicenza, testemunhando as dificuldades enfrentadas por migrantes e povos indígenas.

Um território fértil e riquíssimo em matérias-primas, mas onde a população vive em condições extremamente difíceis. O estado de Roraima é uma das muitas regiões do mundo onde esse paradoxo se manifesta. Os mais afetados por essa realidade são os mais vulneráveis, aqueles considerados "diferentes", como os indígenas e os migrantes. “Os dois temas às vezes estão ligados. Há casos de 'migrantes indígenas' que enfrentam uma dupla dificuldade: vêm da Venezuela e também são indígenas. O 'diferente' assusta. Se não houver um esforço para promover a integração e a aceitação da diversidade, surgem reações violentas.”
Nicola Zattra, 32 anos, engenheiro energético de formação, partiu em 2024 como fidei donum da Diocese de Vicenza e retornou à Itália no final de janeiro de 2025. Durante esse período, serviu à Caritas Diocesana de Roraima e à Pastoral do Migrante, atuando principalmente em Boa Vista, mas também em outras localidades impactadas pelo fenômeno migratório, como a cidade de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela.
Estima-se que, desde 2015, cerca de 7,7 milhões de venezuelanos tenham deixado seu país, que há anos enfrenta uma crise socioeconômica, buscando refúgio em nações vizinhas, especialmente Estados Unidos, Colômbia, Peru e Brasil. Apesar dos esforços de organizações humanitárias para garantir melhores condições a esses migrantes, 2,3 milhões deles ainda vivem em situação irregular, sem documentos, meios de subsistência ou moradia. Acompanhando os assistentes sociais da Caritas Diocesana de Roraima em suas atividades de escuta e visitas às famílias vítimas de violência, Nicola testemunhou pessoalmente as dificuldades, muitas vezes dramáticas, enfrentadas por esses migrantes.
"Percebemos que muitas dessas pessoas tinham dificuldades em acessar o sistema de saúde, inclusive por conta da barreira linguística. Os venezuelanos, em especial, enfrentavam desafios adicionais por esse motivo", explica. Diante dessa realidade, Nicola sentiu a necessidade de realizar uma análise detalhada das demandas locais e redigir um projeto na área da saúde para captar recursos financeiros e oferecer suporte às pessoas atendidas. “Conheci uma jovem de 20 anos que estava prestes a abandonar os estudos porque estava perdendo a visão e não conseguia mais ler – relembra Nicola. No entanto, o problema era simplesmente a falta de dinheiro para comprar óculos. Então, a levamos a uma ótica para escolher dois modelos. Para ela, era extraordinário poder escolher a armação. Ela não parava de nos agradecer. Aquele 'obrigado' que vinha de dentro era enorme.”
Nicola descreve esse episódio como um sinal de sua vocação para o trabalho humanitário, unindo sua formação acadêmica às experiências adquiridas na missão.
Outro grande desafio enfrentado por Nicola foi a situação das populações indígenas. "Em Roraima há muitas comunidades indígenas", explica. "Eles querem proteger seu território e, por isso, são vistos como um problema." As manifestações indígenas em defesa de suas terras são frequentes, denunciando violações de direitos. Segundo um relatório publicado em 2024 pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), organização vinculada à Conferência Episcopal Brasileira e atuante há mais de meio século na defesa dos 305 povos originários do Brasil, em 2023 foram registrados 273 casos de invasões de terras por garimpeiros e grileiros, causando mais de 1.200 danos ao patrimônio indígena. Além das 208 pessoas assassinadas, o relatório aponta que 1.400 crianças indígenas com menos de quatro anos e 111 adultos morreram devido à "omissão dos poderes públicos", ou seja, vítimas de doenças facilmente tratáveis ou preveníveis, como gripe ou infecções intestinais.
Antes de sua missão no Brasil, Nicola nunca havia imaginado enfrentar tais desafios. Sua trajetória como engenheiro era completamente diferente: "Trabalhei em uma multinacional, onde lidava com projetos internacionais, e depois em outra empresa, gerenciando programas de nível europeu", relata. "Mas sentia que algo não estava certo."
Apesar das dúvidas, Nicola seguiu sua carreira enquanto se envolvia no Missio Giovani Vicenza, iniciativa que surgiu a partir do projeto “Juntos pela Missão”, fundado em 2000 em Vicenza pelo padre Giacomo Bravo e Luciano Bicego, posteriormente integrado à linha nacional do Missio Giovani Itália.
Foi como formador nesse grupo que, em 2022, Nicola participou de sua primeira experiência missionária com os padres xaverianos na Tailândia. No ano seguinte, esteve envolvido na organização do Festival da Missão 2023, realizado em Milão, evento que o levou a refletir sobre seu futuro. Decidiu então tirar um tempo para discernir seu caminho: "Fui falar com o CEO da empresa onde trabalhava, um homem muito competente – recorda Nicola – e pedi demissão. Ele entendeu minha decisão e me apoiou, embora tenha lamentado minha saída."
Após essa escolha, Nicola embarcou em uma missão na Colômbia, trabalhando em um programa de reforço escolar no sul de Bogotá, em uma área tão perigosa que nem os taxistas queriam levá-lo até lá. Poucos meses depois, soube que a Diocese de Vicenza procurava um jovem para enviar ao Brasil como missionário fidei donum. "Após semanas de discernimento, percebi que a missão era o que eu realmente queria", admite.
Após um período de formação, Nicola partiu para o Brasil, rumo ao estado de Roraima. "Os dias lá eram muito diversos", conta. "Distribuía cestas básicas para as famílias, identificava as que precisavam de visita, auxiliava no processo de documentação dos migrantes venezuelanos, escrevia relatórios e projetos para buscar financiamento..." Nos finais de semana, participava de um projeto de aulas de português para famílias migrantes e atividades recreativas com jovens: "Víamos mudanças nas aspirações dos jovens. O garoto que antes queria entrar para uma gangue criminosa, para ganhar dinheiro, depois de um tempo começava a dizer que queria estudar biologia e se tornar médico."
Durante essa jornada, Nicola foi acompanhado e orientado pela diretora da Caritas Diocesana e da Pastoral do Migrante, a irmã scalabriniana Terezinha Santin. Seu sobrenome, tipicamente vicentino, reflete como o Brasil tem profundas raízes migratórias: "Encontrei brasileiros do sul que usavam um termo em dialeto vêneto para dizer 'omelete'!", comenta Nicola, rindo.
Após um ano no Brasil, Nicola tem uma visão mais clara de sua vocação: dedicar-se ao planejamento humanitário, unindo sua formação acadêmica à missão. Ele chegou a ser considerado para um cargo em uma ONG brasileira, mas o processo foi suspenso após o fechamento da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), que em 2023 havia distribuído cerca de 42 bilhões de euros em ajuda humanitária. Em março, a administração do país decidiu cortar 83% dos programas humanitários, transferindo os restantes para o Departamento de Estado, o que causou um colapso no setor da cooperação internacional. "Alguns projetos foram simplesmente encerrados. Para mim, foi uma oportunidade de trabalho que se perdeu, mas para algumas pessoas, significou a perda de uma refeição diária", reflete Nicola. Ainda assim, ele não desanima. É assim quando alguém encontra sua vocação..
Por Antonella Palermo – Vatican News
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