
Voluntário Alexandre Amaro, professor de literatura, durante rodas de leitura com os detentos
Iniciativa promovida por voluntários permite que detentos tenham a oportunidade de reconstruir suas próprias histórias
“Procurei a tranquilidade em todos os lugares e só a encontrei sentado em um canto, com um livro nas mãos”, escreveu o teólogo alemão Thomas de Kempis. A frase, dita no século 15, assume um caráter bastante atual se for pensada a partir de um projeto voltado a incentivar a leitura em unidades prisionais. “Num presídio, ler é muito importante, já que o conhecimento, nesse caso, literalmente, é libertador”, explica Carolina Pimentel, presidente do Serviço Social Autônomo (Servas), uma ONG mineira que atua em parceria com os poderes público e privado, além da sociedade civil, para desenvolver ações que complementam as políticas públicas de desenvolvimento social.
No leque de projetos do Servas está o Rodas de Leitura, realizado em parceria com uma outra ONG, a Associação Cultural Sempre um Papo, que incentiva o hábito da leitura a fim de formar cidadãos mais críticos. Além de doar livros, a associação ajuda a convidar escritores para participar das rodas de leitura. Assim, nomes como Xico Sá e Frei Betto já estiveram entre os convidados.
O programa oferecido pelas duas entidades tem sido aplicado em unidades prisionais do estado de Minas Gerais, ampliando o 2ª Chance – Educação, que capacita os detentos para participar do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na modalidade para pessoas privadas de liberdade. Até o momento, mais de dez penitenciárias, femininas e masculinas, já receberam as Rodas de Leitura.
O programa propõe a leitura de um livro por mês durante um ano. Nesse período, ocorrem de quatro a cinco encontros semanais para discussão da obra entre os presos e voluntários, que os ajudam a produzir uma resenha posteriormente. Ao final, esse trabalho é corrigido por uma comissão formada por professores de letras, pedagogos e um representante da Secretaria de Estado de Administração Prisional.

Frei Betto na penitenciário José Maria Alckmin
Os voluntários são fundamentais nesse processo, pois carregam a tarefa de despertar nos detentos o hábito da leitura. Um deles, o professor de literatura Alexandre Amaro, que inclusive está fazendo doutorado a respeito da literatura em unidades prisionais de Minas Gerais, afirmou que conversar sobre livros com pessoas privadas de liberdade é a experiência mais intensa que já viveu em 23 anos como docente.
“A educação só faz sentido quando, além de informar, humaniza os indivíduos. E não há público mais carente de humanização do que os detentos do sistema prisional brasileiro. A arte pode salvar as pessoas e potencializar uma sensibilidade escondida sob a violência e a opressão. E é nesse tipo de educação que eu acredito”, declarou o voluntário.
É a partir dessa sensibilidade que o Rodas de Leitura leva para prática algo que já está previsto em lei. Isso porque, além de todos os benefícios que a leitura pode trazer em termos de conhecimento, no caso dos presídios ela ainda ajuda a contribuir para redução das penas, conforme a Recomendação nº 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Mais livros, menos dias preso
De acordo com a lei, deve ser estimulada a remição pela leitura como forma de atividade complementar, especialmente para apenados aos quais não sejam assegurados os direitos ao trabalho, educação e qualificação profissional. Para isso, há necessidade de elaboração de um projeto por parte da autoridade penitenciária estadual ou federal, visando à remição pela leitura, assegurando, entre outros critérios, que a participação do preso seja voluntária e que exista um acervo de livros dentro da unidade penitenciária. Segundo a norma, o preso deve ter o prazo de 22 a 30 dias para a leitura de uma obra, apresentando ao final do período uma resenha a respeito do assunto, que deverá ser avaliada pela comissão organizadora do projeto. Cada obra lida possibilita a remição de quatro dias de pena. No entanto, cada detento tem um limite de 12 obras por ano, o que equivale, no máximo, a 48 dias a menos preso.
Novos horizontes
Mais do que reduzir o período de encarceramento, o projeto do Servas deseja estimular o interesse dos internos em se reinserir na sociedade e, por consequência, a não reincidência no crime. “Queremos envolver internos e estimular neles o hábito de ler. Acreditamos que a leitura é uma atividade que, além de prazerosa, é capaz de descortinar horizontes, ampliando a capacidade de reflexão de todos que dela se ocupam”, ressalta Carolina, que é uma das idealizadoras do Rodas de Leitura.
Assim como ela, a gestora de projetos do Servas, Patrícia Albuquerque, acredita nesse potencial transformador que os livros carregam em suas páginas. “A liberdade do imaginar cria a opção de transformar. A leitura dá essa possibilidade. Ela abre horizontes e desperta a esperança de ter uma vida melhor a quem está privado de liberdade”, acrescenta.